30/11/2013

no ano de. As expressões no ano de, no dia, no mês de são dispensáveis, ante o princípio da concisão em textos científicos. Em lugar de: "A equipe realizou a pesquisa no ano de 2000", pode-se dizer:  A equipe realizou a pesquisa em 2000. Também se dispensam as expressões análogas "durante o ano (mês) de" ou "durante o dia (século)".  

Simônides

22/11/2013

Maioria absoluta. Em rigor, significa todos ou tudo, sem exceções, uma vez que absoluto é o mesmo que estado ou qualidade em seu grau extremo. Pode-se dizer quase todos se a referência for esta (v. absoluto). Em textos científicos, maioria absoluta deve significar tudo ou todos, sem exceção. O termo maioria implica a existência de uma minoria, o que dá à expressão “maioria absoluta” um aspecto enfático bem entendida por sua consagração como fato da linguagem. Por seu extenso uso, torna-se expressão legítima. Mas o sentido de totalidade da lexia absoluto indica imperfeição em seu uso nessa expressão. O termo quase todos é inquestionável quanto ao seu significado.

16/11/2013

NENHUM E QUALQUER

Muitas dúvidas têm ocorrido a respeito do uso de qualquer em lugar de nenhum em frases como:Não há qualquer dúvida. Estamos sem qualquer receio de ocorrer complicações. De fato, é corrente na linguagem médica e na linguagem geral o uso de qualquer com o sentido de nenhum, o que lhe dá legitimidade segundo boas normas amplamente apregoadas por bons linguistas. Apesar de ser muito adotada essa equivalência, há questionamentos de bons profissionais de letras a respeito, o que pode ser oportuno conhecer.

Uma das razões é a mudança do sentido principal de qualquer, que indica essencialmente e tradicionalmente positividade. De qual e de querqual quer na forma arcaica, qualquer indica “o que quiser”, ou “o que quer que seja”, com inespecificidade quanto ao que se refere, como está no Grande dicionário etimológico e prosódico da língua portuguesa, de F. Silveira Bueno (Bueno, 1963-1967).

Nesse contexto, observem-se as consignações dicionarizadas como primeiro sentido de qualquer. Aurélio (Ferreira, 2009): designa coisa, lugar ou indivíduo indeterminado. Houaiss (2009): designativo de pessoa, objeto, lugar ou tempo indeterminado, equivalendo a um, uma; algum, alguma. Dicionário da língua portuguesa contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa (Academia, 2001): todo o elemento de um grupo de pessoas ou coisas, indiferenciada e indeterminadamente, sendo parafraseável por “não importa qual”, “este ou aquele”. Dicionário Unesp (Borba, 2004): usado para referir-se indeterminadamente a pessoa ou coisa, não importa qual. Aulete (1980): serve para indicar um indivíduo um lugar ou um objeto indeterminado e equivale a um ou outro, uma ou outra, este ou aquele, esta ou aquela.

Por motivo de clareza, mas sem inflexibilidades ou preconceitos, em linguagem formal científica ou acadêmica, pode-se usar, sempre que for possível, cada palavra de acordo com sua classe gramatical, ou seja, substantivo como substantivo, adjetivo como adjetivo, pronome como pronome, verbo como verbo e outros casos, exceto se não houver outra opção.

Com o mesmo objetivo de nitidez, também sem radicalismos, é importante buscar o uso de cada palavra em seu sentido principal ou próprio, em geral, dado nos bons dicionários como o primeiro sentido, para, assim, evitar aplicações figurativas, por extensão, gírias, regionalismos, modismos, neologismos e estrangeirismos desnecessários, sobretudo quando possam causar obscuridades e questionamentos.

Com efeito, o uso de qualquer por nenhum pode causar ambiguidade ao incorrer em desvio de sentido essencial de qualquer. Isso pode configurar imperfeição redacional do ponto de vista da linguagem acadêmica, conforme, entre outros gramáticos, ensina Cegalla (1999): “Ambiguidade. Defeito da frase que apresenta mais de um sentido, mais de uma interpretação”. Se dissermos, por exemplo: “Não quero qualquer remédio”, há dubiedade de sentido. Poderemos completar: “O que quero é aquele que o médico receitou”. Mas, se dissermos “Não quero nenhum remédio”, a firmação torna-se clara. Não cabem complementações nem outras interpretações quanto ao seu sentido, sem, portanto, dubiedade. Para não questionar ou afetar a clareza, não se há, como uso preferencial, de acolher tal desvio semântico em textos formais, acadêmicos, científicos, normativos ou jurídicos,

Acrescentam-se, ainda, alguns estudos a respeito desse uso em comento. A rigor, há contraste de significado entre nenhum e qualquer. Nenhum, essencialmente, tem sentido de negatividade, significa nada em absoluto: Não há nenhuma dúvida a respeito do assunto. Tomou o remédio sem nenhuma objeção. O período pós-operatório transcorreu sem nenhuma complicação grave. A medicina será exercida sem nenhuma discriminação, ou seja, sem discriminação de nenhuma natureza. O ambulatório não tem nenhum paciente. Qualquer significa tudo, qualquer coisa ou pessoa. A proposição que em matemática duas negações significam positividade e, por conseguinte, se inferir que não...nenhum em português equivale a todos não subsiste à lógica elementar, visto que matemática e linguagem são saberes diferentes, já que matemática é ciência exata, fundamentada em cálculos objetivos, e linguagem, mesmo a gramatical normativa, prescinde desses princípios e baseia-se em convenções e na subjetividade humana. A matemática tem formulações cujos significados são os mesmos em toda parte. A linguagem tem formulações com significados de amplíssima variação. De fato, não se poderia pensar, como exemplo, que “Não quero nenhum remédio” significa “Quero todos os remédios”.

Pelo exposto, em proposições como “O paciente não apresenta qualquer sintoma de lesão esplênica”, “Não vai haver qualquer complicação”, “Não há qualquer problema”, o pronome qualquer pode ser adequadamente substituído por nenhum/a ou algum/a. Sugestões: “... não apresenta nenhum sintoma... (ou: sintoma algum)”, “Não vai haver nenhuma complicação (ou complicação alguma)”, “Não há nenhum problema (ou: problema algum)”.

Afirmam bons linguistas, com razão, que todas as formas existentes na linguagem são patrimônio do idioma. Nesse contexto, é legítimo o uso de qualquer no sentido de negatividade, e não cabe citar esse uso como errôneo ou mesmo indevido. No entanto, em linguagem formal, científica, técnica e acadêmica é preferencial, mas não exclusivo, o uso das regras gramaticais normativas por sua disciplina, organização e estrutura elaboradas e preconizadas por sérios e dedicados estudiosos do idioma através dos séculos. Além disso, tendo em vista as críticas existentes emanadas de instrutos profissionais de letras e por nenhum em rigor não ser sinônimo de qualquer (têm até sentido oposto), convém evitar usar sistematicamente ou como a opção correta o segundo em lugar do primeiro. Constitui bom senso evitar formas questionáveis, sobretudo no âmbito dos profissionais de letras, e optar por construções não questionáveis ou menos questionáveis. Isso pode ser possível em quase todos os casos.

Referências

1.        ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Portugal: Editorial Verbo, 2001.
2.        AULETE, Caldas, GARCIA, H., NASCENTES, A. Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, 3.a ed., Rio de Janeiro: Delta, 1980.
3.        BORBA, Francisco S. Dicionário UNESP do português contemporâneo, São Paulo: Editora Unesp, 2004.
4.        BUENO, F. S. Grande Dicionário Etimológico Prosódico da Língua Portuguesa, Saraiva, São Paulo, 1963-1967.
5.        CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa, 2.a ed. revisada, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
6.        FERREIRA ABH, FERREIRA MB, ANJOS M. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, 4.ª ed. atualizada, 1.ª impressão, Curitiba: Ed. Positivo, 2009
7.        HOUAISS A, SALLES VM, FRANCO FMM. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 1a ed, Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

Recém-nascido, lactente ou bebê ?

Bebê, como é bem conhecido, significa criança recém-nascida ou lactente, do francês bébé, criança, este do inglês baby, forma diminutiva de babe, criança, originalmente boneca, de baban ou babbon, provavelmente forma onomatopaica do som infantil ba, segundo  registros do etimologista Walter Skeat (2005).

Em português, bebê tem amplo uso nos registros informais. Como recém-nascido e lactente têm faixa etária estabelecida, o que lhes confere mais precisão, são termos preferenciais em relatos formais. Mas, como forma alternativa, bebê tem aparecido em relatos científicos formais.

E um anglicismo útil para evitar repetições daqueles nomes técnicos em um mesmo texto. Ocorre mesmo em nome de doença, como  em síndrome do bebê sacudido. Também em artigos científicos:


Alimentação do bebê prematuro e de muito baixo peso ao nascer: subsídios para a assistência de enfermagem em bercário (Pediatr. mod. 200036(5):282-6).

E de interesse comum dos autores de artigos científicos médicos conhecer muitos sinônimos, o que dá mais riqueza vocabular aos textos e evita dezenas de repetições como aparece comumente com o uso de paciente, devido a, apresentar, após, utilizar, demonstrar. E bem possível e interessante fazer um esforço extra para abrandar um pouco mais a dureza dos textos muito técnicos. O termo neném, de uso familiar, também aparece em relatos científicos, sobretudo em citações dos dizeres maternos em estudos de linguagem no relacionamento mãe e filho lactente.

Simônides Bacelar
Brasília, DF  

PS: se v. achou que bebês não são sujeitos de pesquisa, se enganou. Mas com o consentimento dos pais ou um representante legal e o caso terá de ser permitido com aprovação da Conep, Comissão Nacional de Etica em Pesquisa, do Ministério da Saúde  Isso é absolutamente necessário. Muitas doenças aparecem em bebês e muitos dos remédios são aprovados pela Anvisa para uso testado apenas em adultos. Mas é preciso conhecer as doses para crianças, inclusos os bebês.

10/11/2013

Necropsia branca. 

Termo usado para indicar, em medicina legal, ausência de achados que poderiam explicar a causa da morte. Exemplo: Durante uma necropsia, excepcionalmente pode ocorrer uma situação em que o indivíduo, vítima de morte súbita, não apresente registro de antecedentes patológicos, nem lesões orgânicas evidentes, além de não apresentar manifestações de agressão violenta. Esse fato registra informalmente o que se chama de "necropsia branca" (Alencar e cols. J. Bras. Patol. Med. Lab., vol.46, n.6 , p. 495, 2010). 

A expressão necropsia branca tem cunho coloquial. Está registrada no Dicionário de Medicina Legal, de Manif Zacharias  e cols., 1991. Em cirurgia, a expressão laparotomia branca passa a laparotomia não terapêutica em relatos técnicos e científicos formais. 

Talvez o nome necropsia não diagnóstica possa estar mais em conformidade com uma expressão técnica científica, já que descobrir causas de morte é a principal razão das necropsias, o mesmo, creio, que fazer diagnoses das condições que motivaram a morte do indivíduo cujo corpo se examina. 

Curiosamente, o nome branco procede do idioma germânico antigo, blanck, (blank em alemão atual)  com o sentido de brilhante, reluzente (Houaiss, 2009), o que explica o termo arma branca, já que facas, punhais, espadas, facões e outros cutelos do tipo são metálicos e brilham.
http://www.scielo.br/pdf/acb/v19n5/a19v19n5.pdf
http://www.rbccv.org.br/pdfRBCCV/v18n3a02.pdf

09/11/2013

Vítima fatal.

A vítima não é propriamente fatal, mas sim o acidente que a vitimou (L. Garcia, Manual de redação e estilo, 1996). Fatal é aquilo que matou, não aquele que morreu. Por exemplo: O doente não foi fatal, mas a doença que o vitimou.

Assim, se diz:

           morto por doença fatal;

           vítima de uma complicação fatal de shistossomose;

           veneno fatal;

           cirurgia fatal;

           reação alérgica fatal.

Do latim fatalis, do destino, funesto, mortal; de fatum, predição, oráculo, destino, fado, destino infeliz, desgraça (A. Ferreira, Dic. lat. port., 1996).

Conforme se lê no Houaiss (2009) e em outros dicionários de referência, fatal significa que é inevitável; que ocorre como se fora determinado pelo destino; que põe termo, que mata; funesto, mortal; que leva à infelicidade, à ruína; que é desastroso, nefasto;  que prenuncia ou faz prever desfecho trágico ou funesto. Fatal significa mortífero, que causa morte, que traz ruína ou desgraça. Por isso, é questionável logicamente a expressão “vítima fatal”: a vítima recebe a morte e não a produz. Trata-se então de uma ambiguidade

Fatal  é um golpe, um tiro, um acidente, uma pancada, um choque e nunca a vítima” (E. Martins, Manual de redação e estilo, 1977). “Fatal quer dizer que mata. A pessoa que perde a vida não mata. Morre. O acidente sim, mata, ele é fatal” (D. Squarisi, Dicas de português, Correio Braziliense, 25-5-2011, p. 5).

E oportuno notar que o uso de “vítima fatal” no sentido de vítima morta é comum, sobretudo na linguagem jornalística, o que se tornou fato da língua e isso legitima seu uso. Contudo, em linguagem científica formal, em que a clareza e a precisão são importantes qualidades de redação, recomenda-se usar fatal em seu sentido próprio. Assim, em lugar de “vítima fatal do acidente”, pode-se dizer: vítima de fatalidade, vítima morta por acidente fatal, ou apenas vítima de acidente fatal.

Simônides Bacelar
Médico, Brasília, DF

05/11/2013

melhora da dor.

Melhorar significa fazer prosperar, progredir, tornar superior. São ambiguidades usos como
“A dor melhorou”, 
“Paciente refere melhora da dor”,
“Houve melhora da dor no período da tarde”,
 “Esperar a dor melhorar” ,
“Criança melhorou a dor”.

Em relação à própria dor, melhorar é aumentar. Em rigor, é o paciente que melhora (ou piora), em relação aos sintomas ou sinais, não a dor, o sintoma, o sinal, a doença. Para o médico, a dor pode ser melhor para o diagnóstico quando esta aumenta de intensidade, por sua localização tornar-se mais identificada, pela melhor caracterização do tipo de dor.

Fica mais adequado substituir “melhora” por termos mais adequados e claros como diminuição, resolução, abrandamento, amenização, atenuação, alívio, suavização, redução quando se referir à intensidade da dor e a outros sintomas e sinais. Exs.:

“Paciente tem (ou está) melhorado da dor”,
“O paciente melhorou da dor”,
“Ele melhorou da febre”,
Paciente com melhora dos sintomas”. 
“A dor diminuiu de intensidade”, 
“A febre baixou”,
"Paciente melhorou dos sintomas".

Para expressar diminuição ou desaparecimento de eventos, não são ditos habitualmente: “a agonia melhorou”, “as convulsões ficaram melhores”, “a indisposição está melhor”, “os problemas melhoraram”, “as queixas ficaram melhorares”. Há dubiedade nessas construções. A mesma situação ocorre nas frases: “A doença melhorou”, “Houve melhora da hipertensão arterial”, “A caquexia está muito melhor” e outros casos.

A língua portuguesa é riquíssima em recursos. Exceto casos especiais, não é tão difícil procurar e achar modos mais adequados para nos expressarmos.

Simônides Bacelar
Médico, Brasília, DF