22/03/2015

Risco para ou risco de?
É contestável o uso da expressão "risco para"no sentido de risco de, como nas construções: “A lesão apresenta risco para malignidade”, “Há diversos fatores de risco para doenças cardiovasculares”. A regência de risco é feita com as preposições de e em como se verifica em abonados dicionários de regência nominal (Francisco Fernandes, 1990; C. Luft, 1996; Alfredo de Carvalho, 2007): A lesão apresenta risco de malignidade. Há risco em não excisar a lesão. Parece que a malignidade está sujeita ao risco de lesão e que as doenças cardiovasculares estão sujeitas a diversos fatores de risco. Há diversos fatores que representam risco de doenças cardiovasculares. || Nesse contexto, apresentam-se casos com sugestões de revisão: “risco para (de) abandono de seguimento ambulatorial”, “fator de risco para (em desenvolver) doença cardiovascular”, “fatores de risco e proteção para (relativos a) doenças crônicas”. || A existência de “risco para” tem forte influência do inglês risk for (Everyone is at risk for glaucoma) ou risk factor for (Child abuse is a risk factor for mental illness), regência adequada nesse idioma. || Em rigor semântico, “risco para” indica risco contra o que se refere. Por exemplo, “fatores de risco para doenças cardiovasculares” significa literalmente fatores de risco que agirão contra as próprias doenças cardiovasculares, assim como se diz que excesso de gordura é risco para a saúde e para o indivíduo obeso. Risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares é o contrário de risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Na expressão “fatores de risco para o câncer” parece que os fatores constituem riscos contra o próprio câncer.
Não constitui erro dizer risco para, uma vez que essa regência vem sendo amplamente usada no vocabulário médico e poderá futuramente ser incluída nos dicionários. Em Rey, por exemplo, encontra-se: "A pobreza reúne por si só um grande número de fatores de risco, principalmente para doenças transmissíveis e morbimortalidade infantil" (L. Rey, Dicionáriode termos técnicos de medicina e saúde, 2003). Tendo em vista, porém, os registros assentados em obras há muito consagradas e oriundas de autoridades em Letras devidamente diplomadas pela União, é conveniente usar, em situações de formalidade, as regências ali dispostas, como uso preferencial sem contudo serem de uso exclusivo.
Simônides Bacelar
Brasília, DF
Morte cerebral – morte encefálica. 
Embora, na literatura médica, sejam essas locuções frequentemente dadas como equivalentes, em rigor, são entes diversos na óptica gramatical e anatômica. Cérebro e encéfalo são termos diferentes como está em nos dicionários e nos textos sobre anatomia. Urge acrescentar que mesmo sem cérebro um indivíduo pode ter vida, já que as funções assistidas por outras partes do encéfalo como tronco cerebral e cerebelo podem estar ativas. É questionável estabelecer como termo técnico científico um nome que literalmente é uma coisa, mas significa outra. A dubiedade é dada nas gramáticas como vício de linguagem.
 
Simônides Bacelar
Médica, Brasília, DF

05/03/2015



cateter – sonda

Dicionários por excelência dão esses nomes por sinônimos, e o mesmo ocorre no âmbito médico. Tanto se diz cateter, como sonda vesical ou urinária. Criaram raízes as expressões sonda nasogástrica, sonda traqueal, cateter de diálise, cateter intravenoso, sonda ou cateter uretral, sonda de Malecot, sonda de Pezzer, sonda de Foley, sonda retal, sonda de Nelaton, sonda de Miller-Abbot; não se há de classificá-las como certas ou erradas, pois são fatos da língua, cristalizados pelo amplo uso. No entanto, podem-se extrair algumas distinções lógicas entre os dois nomes.

Cateter designa tubo, instrumento tubular (com uma luz), ordinariamente de calibre pequeno, para extração ou injeção de líquidos ou de gases. Sonda perfaz o sentido de instrumento de sondagem, do verbo sondar que indica exploração em profundidade ou do interior de algo. Sondar ficaria mais apropriado para o uso de sondas com o objetivo de verificação de trajetos, localização de corpos estranhos e usos similares, donde o nome sondagem. Em medicina, entre muitos outros exemplos, há sonda de Hegar e sonda de Beniquê, instrumentos metálicos desprovidos de luz, usados para dilatações em estenoses.

Da etimologia não provém socorro suficiente. Sonda procede do francês sonde, de sonder, explorar, do ânglo-saxônico sund, canal do mar, presente em sundyard, vara para medir profundidade, para sondar, também em sundrap, corda para sondar, em que o elemento sund- indica mar (Houaiss, 2009). Cateter procede do grego katheter, o que se deixa ir para baixo, o que se afunda, sonda cirúrgica, nome já usado por Galeno; do verbo kathienai, fazer descer, lançar para baixo, de katá, para baixo e hiénai, mandar, de onde sonda de cirurgião; ou káthetos, abaixado, descido, que desce, sonda; do latim catheter, sonda, instrumento cirúrgico (Houaiss, ob. cit.).

Bons dicionários médicos também dão registro de sonda e cateter com o mesmo sentido. L. Rey (Dic. de Medicina e Saúde, 2003) indica sonda como haste cilíndrica provida de canalização interna. No entanto, é respeitável a recomendação dos que condenam a expressão sonda vesical, sondar a bexiga e similares em lugar de cateter vesical, cateterizar a bexiga, por exemplo. Já se diz comumente cateterização vesical em vez de sondagem vesical. Vale considerar que sonda, por suas numerosas acepções, tornou-se nome espúrio, ou seja, de muitos sentidos, o que pode ocasionar ambiguidade, evento inconveniente num texto científico, ao passo que cateter tem sentido seletivo, quase único, bem definido noAurélio (2009): instrumento tubular, feito de material apropriado a fins diversos, o qual é introduzido no corpo com o fim colimado de retirar líquido, introduzir sangue, soros, medicamentos, efetuar investigações para diagnósticos, cateterização cardíaca, por exemplo.

Assim, sondar a bexiga pode ter vários significados, mas cateterizar a bexiga não traz dúvidas sobre o que seja. Recomenda-se, por essas razões, usar as nominações cateter, cateterizar ou cateterização sempre que for possível substituir sonda, sondar e sondagem respectivamente.
 
Simônides Bacelar
Brasília, DF
a nível de

É das expressões mais condenadas por muitos estudiosos da língua portuguesa, designada como espanholismo, francesismo, modismo, cacoete, tragédia linguística e outras más qualificações. É oportuno acrescentar que é uma expressão amplamente empregada e, assim, tem uso legítimo em português. No entanto, para fugir a questionamentos, é possível não usá-la, sobretudo em situações formais. Amiúde, é expressão dispensável. Por exemplo, em lugar de “dor a nível de hipocôndrio direito”, pode-se dizer: dor no hipocôndrio direito.  
 
Simônides Bacelar
Brasília, DF