15/10/2015

Exsudato – exsudado

   
Ambos são termos existentes no léxico com a mesma acepção. Exsudate em inglês influencia sua tradução como exsudato, líquido constituinte de processo inflamatório. Mas existe o termo exsudado como flexão do verbo exsudar, com o mesmo sentido, mais comum na literatura médica em Portugal. Exemplos de exsudato:

Líquido com alto teor de proteínas séricas e leucócitos, produzido como reação a danos nos tecidos e vasos sanguíneos (Houaiss, 2009).

Matéria resultante de processo inflamatório e que, saindo dos vasos sanguíneos, se deposita em tecidos ou superfícies teciduais, sendo constituído de líquido, células, fragmentos celulares e caracterizada, além do que já se mencionou, por alto conteúdo proteico (Dic. Aurélio, 2009).

Produto eliminado por exsudação; substância adventícia formada em um tecido ou em uma cavidade (Fortes, Dic Médico, 1968).

Líquido orgânico formado por soro, fibrina e leucócitos que atravessaram as paredes de pequenos vasos para infiltrarem os tecidos inflamatórios ou cavidades vizinhas (Rey, Dic de Medicina..., 2003). 

Exsudado é particípio passado do verbo exsudar. Particípio é uma forma nominal que pode funcionar como substantivo, adjetivo, advérbio, bem como constituir formações compostas de flexões verbais (tendo exsudado, foi exsudado). Como particípio significa destilado; estilado; porejado; ressumado; ressumbrado. Exsudar é verbo intransitivo e  significa suar, transpirar; segregar em forma de gotas: A resina exsudava do tronco dos pinheiros.

Em português europeu, usa-se exsudado como sinônimo de exsudato. O Dicionário Médico Climepsi (2012), editado e publicado em Portugal, averba apenas exsudado no sentido de líquido orgânico, rico em albumina, formado pela passagem de soro através das paredes vasculares para os tecidos vizinhos. Acrescenta exsudado algodonoso como acúmulo de substância semifluida na retina procedente dos axônios neuronais em casos de hipertensão, Sida, doenças do tecido conjuntivo. Omite exsudato. No entanto, o Dicionário de Termos Médicos (2005), de Manuel Freitas e Costa, dá exsudado, exsudato e exsudação com o mesmo sentido de passagem de um líquido através das paredes de seu reservatório, especialmente passagem lenta de constituintes do sangue através das paredes de um vaso como sucede na inflamação. O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (2001), da Academia das Ciências de Lisboa, consigna exsudato apenas como secreção líquida, serosa, resultante, por vezes, de processo inflamatório, e exsudado apenas como particípio passado de exsudar; que sofreu eliminação sob a forma de suor; que se evaporou.

Por etimologia, o nome exsudato provém do latim exsudatus, particípio de exsudare, eliminar pelo suor ou por transpiração; deex, fora, e sudare, suar. Isso permite usar exsudato e exsudado como sinônimos. Em latim, sudor significa suor, transpiração, em sentido próprio (Faria, Dic. Escolar Lat. Port., 1955), o que assinala os outros sentidos como extensão por analogia.

Tendo em vista essas interpretações, exsudato e exsudado podem ser usados com o mesmo sentido de secreção inflamatória ou de líquido orgânico com passagem através de uma parede orgânica. No Brasil, é muito comum usar exsudato, frequentemente por influência do inglês exsudate ou do francês exsudat. Mas, em consideração ao amplo uso de exsudato na literatura médica nacional, recomenda-se seu uso preferencial em textos formais, sem, contudo, jamais haver exclusividade ou indicações de erro pelo uso de exsudado como sinônimo nesse último sentido retromencionado,

Simônides Bacelar
Brasília, DF

23/09/2015

Fonatório. A aritenoidectomia subtotal é técnica eficaz para avaliação respiratória e fonatória.

Quase todos os dicionários omitem fonatório, mas Fortes & Pacheco (H. Fortes, G. Pacheco, Dic Médico, 1968) assinalaram esse vocábulo.

Na literatura médica e de fonoaudiologia, existem usos como:

mensuração do tempo máximo fonatório (Rev. Bras. Otorrinolaringol. vol. 74. n.o 2, p. 224, 2008).

Foi aplicado mensalmente, em todos os pacientes, o exame do tempo máximo fonatório (TMF) (Rev Bras Neurol, v. 45, n.o 4, p. 17, 2009).

O suporte respiratório é de grande importância no ato fonatório (Rev Bras Neurol, v. 45, n.o 4, p. 22, 2009). 

As palavras existentes no léxico são: fonador, fonativo e fonológico (Vocab. Ort. da L. Port., Academia Bras de Letras, 2009). A expressão “aparelho fonatório” pode ser mudada para aparelho fonador, termo constante nos dicionários, nas gramáticas (estudo da fonética) e nos livros médicos (laringologia). Mas, em “tensão fonatória”, esse termo atenua a ambiguidade contida em tensão fonadora ou fonativa. Cognatos: fonético, que se refere à fonética, e fonêmico, aos fonemas.

A formação desse nome traz imperfeições dignas de nota. É lexia híbrida, de fono(a), som, voz,  e -(t)ório, pertinência, relação; instrumento ou meio de ação (Dic. Aurélio, 2009); do grego phoné, som, voz e do latim -orius, sufixo formador de adjetivos ou substantívos (Dic. Houaiss, 2009). Os prefixos gregos passam normativamente para o português com término em o: faringo-, gastro-, phono-.
 
Simônides Bacelar
Médico, Brasília, DF


Independente – independentemente


Vale conhecer estes detalhes, que às vezes passam "batidos" nas publicações.




É um ponto crítico usar independente (adjetivo), como advérbio, em lugar de independentemente(D. Cegalla, Dic. de Dificuldades e Dúvidas..., 1999), embora esse uso seja frequente no Brasil. Exemplo:

    Pode ser arriscado medicar o doente "independente" de conhecer o diagnóstico.

Nessa frase, é mais adequado, em situações formais, usar  independentemente, nome que se liga ao verbo medicar, por sua função de advérbio de modo, ou seja, refere-se à maneira de medicar. Assim:

    Pode ser arriscado medicar o doente independentemente de conhecer o diagnóstico.

Para clareza, se pode mudar a construção:

    Pode ser arriscado medicar independentemente (ou: aleatoriamente, intuitivamente) de conhecer  o diagnóstico do caso.




Usa-se independente em sua classe e função próprias de adjetivo. Ex.:

    Foram atendidos os doentes independentes (isto é, os que não dependem) de planos assistenciais.



Em resumo, para evitar dubiedades, reitera-se aplicar independente (adjetivo) eindependentemente (advérbio de modo) em suas classes gramaticais e funções sintáticas  próprias.
 
 
Simônides Bacelar
Médico, Brasília, DF

29/08/2015

NORMA CULTA

Modalidade variante da língua, geralmente usada por pessoas de bom nível socioeducacional e cultural, regularmente ensinada nos âmbitos educacionais como idioma oficial do Estado-Nação, para ser empregada nos documentos oficiais, nos trabalhos científicos, nos concursos públicos, nas solenidades oficiais e em outras circunstâncias formais, sobretudo em relatos escritos (G. Giacomozzi e cols. Dic de Gramática, 2004).

Tem estruturação disciplinada, organizada e padronizada, com registros nas gramáticas normativas e  elaborada de acordo com estudos metódicos, realizados ao longo de séculos por profissionais de Letras oficialmente autorizados para esse mister. A norma culta foi e é a usada na elaboração e manutenção da língua-padrão, cujo objetivo prioritário é servir como instrumento de comunicação oficial no âmbito nacional e internacional com a representatividade de uma nação.

Consta acrescer que todas as outras modalidades ou variações da língua são tão importantes no âmbito comunicativo de um povo ou de uma comunidade quanto a língua-padrão, seja o jargão chulo, as gírias, seja o uso erudito e mesmo o padrão retórico rebuscado. Se as variações existem, é que são úteis, estão vivas e merecem consideração.
 
Simônides Bacelar
Brasília, DF

25/08/2015

 Após – depois

Na fala geral, são usados indiscriminadamente. Mas, em regimes formais, convém adotar uma padronização.

Em rigor, após se usa para posterioridade no espaço (L A Sacconi, Dic. de dúvidas e dif..., 2005):

A secretaria fica após o centro cirúrgico.
O hospital fica após a prefeitura.
O acidente ocorreu após a curva.

Depois se usa para posteridade no tempo (L A Sacconi, Dic. de dúv..., 2005):
Tomar as cápsulas depois das refeições.
Discutiremos o caso depois.
Retornou depois da alta hospitalar.

Não é bom português o uso de após antes de formas nominais; prefere-se depois de (Sacconi, Não erre mais, 2005, p. 118):

“Examine o paciente após (depois de) lavar as mãos”.
“Deixou a sala após (depois de) operar”.

Segundo Antenor Nascentes (Dicionário de sinônimos, 1969), após se usa em sentido de posterioriedade no estado de movimento: Corri após e o alcancei; depois dá ideia de posterioriedade no tempo: Cheguei duas horas depois.
  
Após não se usa com preposição a, como nos exemplos: “após ao centro cirúrgico”, “após ao corredor”. É encontradiço na linguagem usual, exemplos como “após ao jogo”, “após ao filme”, “após ao término”, “após ao óbito”, “após ao nascimento”.

É preciso lembrar que após é preposição e sua junção com outra preposição, no caso a preposição a, configura redundância.

Também é útil lembrar que depois é advérbio de tempo e, assim, fica mais apropriado usá-lo como elemento que modifica um verbo: Em lugar de “Almoçaremos antes e caminharemos após”, é mais adequado dizer: Almoçaremos antes e caminharemos depois. “Após é artificial. Use-o em expressões consagradas como ano após anos, dia após dias,. No mais, dê preferência ao depois: depois do sinal, deixe o recado (D. Squarisi, Manual de redação e estilo – para mídias convergentes 2011).

Outras possibilidades de substituição:

        “Após (passados) dois dias, o paciente foi operado”.
        “Foi tratado após (em seguida aos) os exames”.
        “A prescrição médica foi após (ulterior aos) os testes laboratoriais”.
        “A avaliação feita foi após (posterior ao) o tratamento.”.

Ensina Piacentini (Língua Brasil – não tropece na língua, 2003, p. 89): “Após é preposição – liga palavras ou termos de uma oração: ano após ano, um após outro, Pedro após Paulo. Depois é advérbio – basicamente modificador do verbo: falaremos depois, vou depois. E temos ainda a locução prepositiva depois de, que rege um substantivo ou um pronome: depois da chuva, depois de mim, depois de você.
Acontece que após vem sendo usado há séculos também nas duas últimas situações: falaremos após, após a chuva, após mim... já não dá para dizer que esse emprego esteja errado, mas decerto é melhor usar depois (de) com verbos e com o particípio: vamos depois, sairei depois, depois de distribuído, depois de organizado. Recomenda-se também usar depois (nunca após) no início da oração, com o sentido de posteriormente: Disse que não ia. Depois disse que sim”.

Não se usa após com o particípio (Ledur-Sampaio, Os pecados da língua. 4.o v., 1996, p. 84). Assim, são criticáveis as frases: “O omeprazol não tem estabilidade após (depois de) aberto”, “Operaremos após (depois de) realizados os exames”.

Pode-se usar após de em sentido espacial, de tempo (Dic. Aurélio, 2009): Acordou tarde após de uma noitada de estudos.

Em que pese haver usos adequados e mais padronizados, após aparece indiscriminadamente nos relatos médicos e com frequência até um pouco abusiva. Por amor ao bom estilo e à organização da língua, convém reparar essa imperfeição redacional, já que não é necessária. 

Finalizo com um bom recado do Prof. Domício Proença Filho, Univ. Federal Fluminense:


           “Somos livres para falar ou escrever como quisermos, como soubermos, como pudermos. Mas é também evidente que a adequação contribui efetivamente para maior eficiência comunicativa. O uso formal, designação que sintomaticamente disputa espaço com uso ou registro culto é ainda exigência para certos e importantes momento da vida. Quem não o domina frequentemente se defronta com limitações no acesso ao mercado de trabalho, na progressão social, na vivência escolar, na comunicação com os outros. As raras e honrosas exceções se devem a articulações mentais privilegiadas e excepcionalíssimos desempenhos profissionais, assim mesmo no âmbito da expressão falada. Na manifestação escrita da comunicação cotidiana, impõe-se o regime formal. E de tal maneira, que mesmo as lembradas exceções buscam, rápida e discretamente, o assessoramento de um professor ou professora de português para evitar, no mínimo, o anônimo, irônico e cruel castigo do anedotário” (Domício Proença Filho,doutor, professor livre docente aposentado,  professor emérito e titular de Literatura Brasileira da Universidade Federal Fluminense, em seu livro Por Dentro das Palavras da Nossa Língua Portuguesa, Rio de Janeiro, Record, 2003, p. 11-12).

Simônides Bacelar
Brasília, DF
Pilares de sustentação.

Construção pleonástica, já que os pilares são usados para sustentar alguma estrutura geralmente em uma construção.

O Cândido de Figueiredo Grande Dicionário da Língua Portuguesa, 1996, traz o substantivo pilar, em sentido próprio, como “simples coluna que sustenta uma construção qualquer”.

No Grande Dicionário Etimológico Prosódico da Língua Portuguesa,  de Silveira Bueno, 1966, registra-se pilar, substantivo masculino, como coluna de pedra ou de alvenaria que serve de sustentáculo  a uma parede superior, a um soalho, lage ou simplesmente a uma parede; do latim pila(coluna) e o sufixo ar.

Basta dizer, por exemplo: O médico é um dos pilares da assistência ao paciente.

Pode-se substituir por alicerce, amparo, apoio, arrimo, base, coluna, defensor, esteio, patrono, pilastra, protetor, sustentação, sustentáculo, suporte e equivalentes.

Por extensão ou figuração existe o uso de pilar como sobrenome em homenagem à Nossa Senhora do Pilar, estrutura em que a Virgem apareceu diante do apóstolo Santiago, nome da Serra do Pilar em Portugal, como cidade e município no estado de Alagoas e de outra em São Paulo (Pilar do Sul). Também em anatomia: pilares do véu palatino.

Os pilares foram estruturas maciças, de alvenaria ou mesmo de madeira, com secção em quadrado ou circular, muito usadas no período medieval para sustentação de pontes e abóbadas de igrejas (Lello Universal, s.d.).

Não se há de indicar como erro o uso de “pilar de sustentação”, em consideração ao seu amplo uso na língua,  como se vê na web. Em casos de interesses em aprimoramentos retóricos, o uso apenas de pilar pode ser considerado.
 
Simônides Bacelar
Brasília, DF

16/07/2015

 Despautério
 
Palavra que exemplifica a condição de alguém ter seu nome associado a coisas mal feitas. Nos dicionários da língua portuguesa, significa absurdo, asneira, tolice, disparate, dislate. Nesse caso, referencia-se o nome de um antigo gramático flamengo, Jean Van Pauteren (1460(80?)-1520), cuja obra fora contestada por haver muitas falhas. Foi professor de latim e francês. Ensinou em Louvain (Bélgica), Bois-le-Duc (Holanda), Bergues e Comines (França).

Era conhecido como Despautère, nome afrancesado. Escreveu tratados da língua latina Contextus grammaticae artis (Paris, 1517); Syntaxis; Ars Epistolica (1519); Ars Versificatoria; Latinae Grammaticae Epitome; Orthographia entre outros. Seu trabalho fora escrito em latim, e o autor assinou-o como Despauterius (J. Ribeiro, Curiosidades Verbais, 1963, p. 174). Sua obra Commentarii Grammatici (1537), confusa e com muitos dislates, foi muito difundida na Europa nos séculos XVI-XVII (Houaiss, 2009). Faltava-lhe clareza de exposição e havia insuficiência nas explicações das regras gramaticais. Seus versos eram obscuros, confusos, e provocaram críticas rigorosas de autores como Nicolas Malebranche e Pierre Nicole. Apesar dos defeitos didáticos, seus livros tiveram numerosas edições, publicadas até o século XVIII, quando surgiram obras mais atualizadas e mais eficientes (Francisco Manuel de Melo, A Visita das Fontes: Apólogo Dialogal Terceiro, 1962, p. 323).

Commentarii Grammatici foi reeditada, traduzida e adaptada por gramáticos como Dupréau, Behourt e Pajot e serviu como base ao ensino de latim em colégios de jesuítas na França até o século XVIII. Seu epitáfio permanece em exposição na Igreja Saint-Chrysole de Comines(https://fr.wikipedia.org/wiki/Jean_Despautere).

Por motivo humanitário, recomenda-se não usar o termo em questão, sobretudo como partícipe da penalização perene de gente que não usou conscientemente de erros com má fé e propósito de prejudicar.


 Simônides Bacelar
 Brasília, DF

30/06/2015

Ventosaterapia
Forma não preferencial de ventosoterapia como nome técnico científico para o uso formal, já que esses nomes são tradicionalmente e copiosamente de formação erudita. Do latim ventosa, termo médico. Como termo de composição, de regra, usa-se a terminação o para nomes gregos e i para nomes latinos. No entanto,  há muitos termos latinos com a primeita terminação. Deveria ser ventositerapia, nome que aparece na literatura: ...fisioterapeuta Drª G. atuando com fisioterapia,acupuntura, eletroterapia, moshaterapia e ventositerapia

Simônides Bacelar
Brasília, DF

12/05/2015

chefe
Galicismo. Do francês chef, aquele que está à frente de qualquer coisa (Houaiss, 2009). Em português, se usava cabeça e, em tempos recuados, não se fazia caso da pureza da linguagem nem havia o horror aos galicismos que afetou muitos homens de letras de até recentemente. Antes do século XVIII, os galicismos eram raros porquanto as relações com a França eram menos correntes que nos tempos modernos e a língua francesa era em geral desconhecida em Portugal. Mais recentemente, o termo chefe veio a constar da língua portuguesa em expressões como chefe de família, chefe de estadochefe de repartiçãochefe indígena, talvez porque o termo cabeça, anteriormente mais usado, levanta atualmente a ideia de pessoa que dirige desordens e rebeliões (Said Ali, Meios de Expressões e Alterações Semânticas, 1951. p. 117).
 
Simônides Bacelar
Brasília, DF

04/05/2015

Sobre a palavra âmbito
Nem sempre é simples fazer afinadas distinções entre os significados de uma palavra, pois estes são o total da soma de todos os seus usos em uma língua. É fácil, então, verificar que é impossível registrar cada um dos usos de cada palavra em qualquer língua. Mesmo o mais volumoso dos dicionários pode sequer arranhar a superfície das significações das palavras (Laurence Urdang, The Basic Book of Synonyms and Antonyms, New York, Signet, 1978, p. VII,). 
Em outras palavras:
“Chega mais perto e contempla as palavras
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
E te pergunta sem interesse pela resposta
Pobre e terrível que lhe deres: - Trouxeste a chave?”
(Carlos Drumond de Andrade)
No entanto, a proposição de usar termos porque “todos usam assim”, que “é como todos dizem” tem justificativas lógicas, mas dá arrimo e moral a uma cadeia de imperfeições e ao compromisso com o defeito, e dificulta a busca e a aplicação de aperfeiçoamentos de linguagem, atitudes que contrariam princípios científicos que regem esse tipo de redação formal.
O hábito de consultar dicionários ou textos de linguística pode trazer muitas surpresas a respeito do que está por trás das palavras. O que segue sobre o nome âmbito pode ser um exemplo curioso.
O sentido próprio de âmbito é espaço que circunda, rodeia, envolve; periferia. Do latim, ámbitus, movimento circular, caminho em volta de, circuito, contorno, rodeio. Ámbitus era uma área que os antigos romanos eram obrigados a deixar em volta de suas casas; de ambire, andar em volta, circular; de am (preposição) – que indica em volta de, à roda de, de um e de outro lado, duplo –, usada em compostos em forma de ambi, ambe e an (A. Ferreira, Dic. Lat. Port., 1996; Houaiss, 2009).
Sinônimos e termos análogos: abrangência, alçada, ambiência, ambiente, ambitude, área, arena, arredores, atmosfera, campo, campo de batalha, cancha, cenário, cercanias, círculo, circunferência, circunjacência, circunscrição, clima, contexto, contorno, departamento, dependência, dimensão, domínio, entorno, escopo, esfera, espaço, extensão, giro, horizonte, limites, local, lugar, meio, mundo, órbita, panorama, periferia, perímetro, plano, ramo, recinto, redondezas, região, reino, roda, seção, setor, sítio, terreno, território, universo, zona.
Termos cognatos ou conexos: ambíguo, ambitude, ambos, ambulação, ambulador, ambulância, ambulante, ambular, ambulativo, ambulatório, deambular, deambulatório.
Nesse contexto, pode-se notar que nem sempre o sentido próprio é aquele entendido pelos falantes de um idioma. Nesse caso, a lei do uso prevalece. No entanto essa proposição não pode ser a adequada ou a melhor para denominações de termos técnicos ou científicos no uso formal, porque levanta questionamentos razoáveis e contraria as normas que organizam a redação técnica e científica. Se não houvesse essa organização, o uso das palavras correria  livremente com sentidos por vezes contrários, ambíguos, confusos, obscuros que obrigariam os revisores  pedir que cada autor explicasse o sentido dos termos que usa em um relato científico e o acrescentasse no texto para que os diversos leitores e pesquisadores interessados compreendessem melhor. Essa é uma das principais razões da existência de um padrão linguístico redacional, conforme listo em sequência copiados de vários livros sobre o tema do sentido próprio ou denotativo das palavras em redação científica:
Não há sinonímia perfeita, sabemos todos (Josué Machado, Língua sem Vergonha, p 21, 2011).
Se a precisão da linguagem é necessária a todos, ela é imprescindível aos pesquisadores e cientistas, já que a imprecisão é incompatível com a ciência (Saul Goldenberg, Publicação do trabalho científico: compromisso ético. Acessível em http://metodologia.org/wp-content/uploads/2010/08/saul_etica.PDF p. 5, consultado em 16-1-2015).
Nos trabalhos científicos, emprega-se a linguagem denotativa, isto é, cada palavra deve apresentar seu sentido próprio, referencial e não dar margem a outras interpretações (Maria Margarida de Andrade, Introdução à Metodologia do Trabalho Científico. São Paulo: Atlas; 2003, p. 101).
Não se deve olvidar que a precisão e a clareza são supremos requisitos do bom dizer (Mário Barreto, Fatos da língua portuguesa, 1982, p. 211).
A denotação, a objetividade, a simplicidade, a formalidade, a precisão, a clareza, a coerência e a harmonia são características predominantes do estilo técnico (Lúcia Locatelli e colaboradoras, Redação: o Texto Técnico Científico e o Texto Literário, ed. UFSC, 1994, p. 12).
A maior parte de nossas dissenções e antagonismos provém da interpretação que damos às palavras (A. Einstein).
A exploração do valor conotativo das palavras não é apropriado ao enunciado científico. Nele, os vocábulos devem ser definidos e ter um só significado. Num texto de astronomia, lua significa satélite da Terra, não o astro dos enamorados (Clair Alves, especialista em Linguística Aplicada, pela PUC, professora de Semiótica, Universidade da Região de Campanha, Rio Grande do Sul,  A Arte de Escrever Bem, p. 61, 2008).
O uso próprio é particularmente substancial na linguagem técnica e científica. António Matoso. Dicionário de gramática da língua portuguesa. Coimbra, Portugal: Quarteto; 2003. p. 281.
Seja rigoroso na escolha das palavras no texto. Desconfie dos sinônimos perfeitos ou de termos que sirvam para todas as ocasiões, Em geral, há uma palavra para definir uma situação (E. Martins Filho, Manual de Redação e Estilo – Estado de São Paulo, 1996, p. 17).
Todos experimentam equívocos e ambiguidades quando se atribuem distintos significados ao mesmo signo ou palavra (Marta Cristina Biagi, Pesquisa Científica: Roteiro Prático para Desenvolver Projetos e Teses, Curitiba: Juruá, 2012, p. 26).
Para o homem de ciência, para o homem de laboratório, tão exato e preciso deve ser o raciocínio quanto exata e precisa a expressão falada ou escrita em que ele se exterioriza; o descuidado, o confuso e o impróprio significam certamente o desconcerto e a confusão do pensamento (Clifford Allbutt, apud Plácido Barbosa, Dic de terminologia médica portugueza, p. 6, 1917).
A representação científica de um trabalho deve ser o mais didática possível e ter estilo simples, claro, preciso e objetivo (Marina de Andrade Marconi e Eva Maria Lakatos. Técnica de Pesquisas, 7.a ed., São Paulo: Atlas, 2009, p. 222).
Dada a multiplicidadede sentidos que assumem as palavras conotativas recomenda-se  – na elaboração do escrito científico – o emprego exclusivo de palavras em seu sentido denotativo (Lucie Didio, Como produzir monografias, dissertações, teses, livros e outros trabalhos,  São Paulo: Atlas, 2014,  p. 58).
Defina sempre um termo ao introduzi-lo pela primeira vez. Não sabendo defini-lo, evite-o. Se for um dos termos principais de sua tese e não consegue defini-lo, abandone tudo. Enganou-se de tese ou de profissão (Umberto Eco. Como se Faz uma Tese. São Paulo: Editora perspectiva, 1998, p. 119).
Acredito que as qualidades básicas da boa redação científica são a exatidão e a clareza. Não se deve usar termos técnicos sem conceituá-los ou palavras difíceis em vez de palavras fáceis com o mesmo sentido (Mirian Goldenberg, A Arte de Pesquisar, Rio de Janeiro: Record, 1997, p 98).
O texto deve ser redigido de maneira clara e concisa, seguindo a ortografia vigente, evitando o uso de jargões ou modismos considerados inadequados ou errados (Unesp, Normas para Publicações, 1994).
Uma palavra bem escolhida pode economizar não só cem palavras, mas cem pensamentos (Jules Henri Poincaré, 1854-1912, matemático, físico e filósofo francês da ciência).
A mais comum das funções da linguagem é a que se volta para a informação. A intenção é transmitir dados da realidade de forma direta e objetiva com palavras em seu sentido denotativo (José de Nicola, Língua, Literatura & Redação, 7.a ed., São Paulo: Scipione; 1994, p. 33).
A frase tem de ser construída de tal forma que não só se entenda bem, mas que não se possa entender de outra forma (Iñigo Dominguez, escritor e jornalista espanhol).

Simônides Bacelar
Brasília, DF